Francisco Damasceno Ferreira Neto
O objetivo do presente estudo é apresentar, em linhas gerais, o concurso como modalidade de licitação e, ao mesmo tempo, levantar e responder questionamentos que se afigurem úteis ao Administrador Público, aos licitantes e a todos que trabalham, diuturnamente, com licitações públicas.
1) EM QUE CONSISTE O CONCURSO?
Trata-se de modalidade especial de licitação. A Lei de Licitações e Contratos Administrativos1, em seu art. 22, § 4º, traz o conceito de concurso, verbis: “Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 dias”.
O concurso, portanto, é o certame licitatório que tem por finalidade a escolha de trabalhos técnicos, científicos ou artísticos. Há uma contraprestação ao (s) trabalho (s) vencedor (es), expressa na forma de prêmio (s) ou remuneração aos licitantes triunfantes, que serão previamente definidos pelo edital, cuja publicação na imprensa oficial é obrigatória e terá, de acordo com a Lei nº 8.666/93, antecedência mínima de 45 dias.
Lucas Rocha Furtado2 adverte que a modalidade licitatória denominada concurso “não deve ser confundida com o também denominado concurso público, que deve preceder a investidura de ocupantes em cargos ou empregos públicos. O concurso, modalidade de licitação, nada tem a ver com o concurso público de que trata a Constituição Federal em seu art. 37, II. Este último concurso público, mencionado na Constituição Federal, deve seguir os critérios previstos no próprio texto constitucional (concurso de provas ou de provas e títulos, prazo de validade de até dois anos, etc.) e em legislação própria, que no âmbito são indicados na Lei nº 8.112/90.
O concurso normalmente é utilizado para a escolha de projetos arquitetônicos, como o aberto para a cidade de Brasília, atual Distrito Federal, e no qual se sagrou vencedor Lúcio Costa.
Muitos tribunais também realizam, anualmente, concursos que têm por objeto a escolha de monografias jurídicas, com o deferimento de prêmios aos primeiros colocados, como o realizado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região3.
2) QUAIS AS DIFERENÇAS EXISTENTES ENTRE O CONCURSO E AS DEMAIS MODALIDADES DE LICITAÇÃO?
Assevere-se, preliminarmente, que o concurso, o leilão e o pregão são modalidades especiais de licitação, ao passo que o convite, a tomada de preços, o pregão e a concorrência constituem procedimentos licitatórios comuns.
Lucas Rocha Furtado4 examinou as diferenças entre o concurso e as denominadas modalidades licitatórias comuns. O ilustre jurista, em obra de sua autoria, perfez lúcidas considerações a respeito do tema. Ei-las: “São duas as diferenças básicas entre o concurso e as demais modalidades de licitação que visam à contratação de empresas ou profissionais para a prestação de serviços. Nestas últimas, o serviço será prestado após a seleção, e o preço a ser pago é indicado pelo próprio licitante. O preço apresentado pelo licitante, aliás, nessas outras modalidades de licitação será utilizado como critério básico para a escolha da melhor proposta. No concurso, ao contrário, os trabalhos são apresentados prontos e acabados, e o preço a ser pago, o denominado prêmio, já foi fixado pela Administração no edital do próprio certame.”
Por seu turno, o concurso difere do leilão porque este último procedimento licitatório destina-se à alienação de bens por parte da Administração Pública, e o concurso tem por escopo a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico. Percebe-se, de plano, que não há a menor similitude entre as modalidades de licitação em questão.
Já o pregão tem por finalidade a aquisição de bens e serviços comuns, e não a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico. Em verdade, um trabalho técnico/artístico, como, por exemplo, um projeto arquitetônico, que normalmente é licitado por concurso, não tem nada de comum, pois tem sua origem na criatividade do profissional que o concebeu. Trata-se de obra única (utilizamos, aqui, esta expressão no sentido de trabalho, criação do engenho humano), que não possui elementos padronizados pelo mercado, e jamais poderá ser equiparado a um bem (exemplos: caneta esferográfica ou cartucho para impressora não remanufaturado) ou serviço (exemplo: manutenção predial, quando esta atividade for preponderante à de Engenharia) comum.
3) QUAIS AS NORMAS QUE DISCIPLINAM O CONCURSO?
A Lei nº 8.666/93 não estabeleceu regras específicas acerca do concurso. O edital será a norma fundamental (vide o art. 52, caput, § 1º, incisos I a III, e § 2º, da Lei nº 8.666/93, adiante comentados) a ser observada, respeitado o balizamento delineado pelo art. 22, § 4º, da LLCA, e aplicando-se, em caráter subsidiário, os princípios jurídicos fundamentais expressos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Marçal Justen Filho5, ao registrar a ausência de normas particulares para o concurso e o leilão, obtempera que “Isso não significa que a Administração deva seguir para o concurso e o leilão o procedimento da concorrência. Seria uma contradição invencível. Por outro lado, nem se pode refutar que a Administração estaria liberada para adotar o procedimento que melhor lhe aprouvesse. A única solução é adequar as regras legais às peculiaridades do concurso e do leilão. Essa adequação deve ter em vista que, por se tratar de licitação, aplicam-se, subsidiariamente, os princípios jurídicos fundamentais. Depois, devem ser observadas todas as fases em que o procedimento licitatório se desdobra. O ato convocatório deverá definir as condições do concurso e do leilão, estabelecendo critérios objetivos para o julgamento, assegurando a proposta mais vantajosa para a Administração e respeitando o princípio da isonomia.”
A Lei nº 8.666/93, art. 52, caput, fixou preceito no sentido de que o concurso será precedido de regulamento próprio, a ser obtido pelos interessados no local indicado pelo edital do certame. Normalmente, o edital do concurso já traz, em seu bojo, dito regulamento.
Já o § 1º, incisos I a III, do supracitado art. 52, da LLCA, fixa o conteúdo mínimo do regulamento do concurso, qual seja: a) qualificação exigida dos participantes; b) diretrizes e forma de apresentação do trabalho; c) condições de realização do concurso e prêmios a serem concedidos.
O § 2º do art. 52 da Lei nº 8.666/93 é claro ao preceituar que, em se tratando de projeto (arquitetônico, por exemplo), o vencedor deverá autorizar a Administração a executá-lo quando julgar conveniente.
Há, ainda, a norma constante do art. 111 da LLCA, que é aplicável à modalidade de licitação denominada concurso, a qual será objeto de análise especial, vez que constitui o ponto nevrálgico da próxima indagação.
4) EM SE TRATANDO DE CONCURSO QUE TENHA POR OBJETO A ESCOLHA DE TRABALHO TÉCNICO, CIENTÍFICO OU ARTÍSTICO, FAZ-SE NECESSÁRIA A INCLUSÃO, NO RESPECTIVO REGULAMENTO, DE NORMA QUE PREVEJA, EXPRESSAMENTE, A TRANSFERÊNCIA DOS DIREITOS AUTORAIS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POR PARTE DO INDIVÍDUO QUE FOR PREMIADO?
A resposta é afirmativa. A respeito, o art. 111, caput, da Lei nº 8.666/93, dispõe: “A Administração só poderá contratar, pagar, premiar ou receber projeto ou serviço técnico especializado desde que o autor ceda os direitos patrimoniais a ele relativos e a Administração possa realizá-lo de acordo com o previsto no regulamento de concurso ou no ajuste para sua elaboração”.
Com base no artigo acima reproduzido, bem como nas disposições do art. 22, § 4º, c/c o art. 52, § 1º, e seus incisos I a III, o Tribunal de Contas da União6 já decidiu que o regulamento deverá prever, de forma expressa, a cessão dos direitos autorais do (s) trabalho (s) técnico (s), científico (s) ou artístico (s) selecionado (s) e, conseqüentemente, premiado (s).
5) PODERÁ O REGULAMENTO DO CONCURSO ESTABELECER PRAZO MAIS ELÁSTICO, PARA FINS DE APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS, QUE OS 45 DIAS PREVISTOS NO § 4º, DO ART. 22, DA LEI Nº 8.666/93?
É evidente que sim, até mesmo porque a norma legal em comento prevê prazo mínimo de 45 dias para apresentação dos trabalhos, e não a observância de prazo máximo. Poderá, pois, a Administração Pública deferir prazo maior, pois há concursos que, em razão de seu objeto específico (um projeto arquitetônico, por exemplo), demandará mais tempo para a sua elaboração e conseqüente exibição perante a banca examinadora do certame.
Há casos em que o trabalho técnico, científico ou artístico exige, em face de suas peculiaridades próprias, prazo maior para a sua criação, e, mesmo assim, a Administração estipula o prazo mínimo de 45 dias.
Em tal hipótese, é patente que a fixação do prazo mínimo, consoante o disposto na Lei nº 8.666/93 (pois a norma legal em apreço não permite prazo inferior para a apresentação de trabalhos) fere a competitividade do certame e é, por conseguinte, inválido, sendo lícito aos interessados buscar a sua invalidação perante o Poder Judiciário, utilizando o remédio constitucional do mandado de segurança. O ato é ilegal porque fere, especificamente, o art. 3º, caput, e seu § 1º, que dispõem: “Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade e da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. § 1º. É vedado aos agentes públicos: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato” (grifei).
Ora, a simples observância do prazo mínimo legal não reveste de legalidade o regulamento no tocante ao prazo mínimo para apresentação dos trabalhos, em sede de concurso, quando a natureza do trabalho técnico, científico ou artístico a ser desenvolvido pelos participantes do certame demandar prazo superior a 45 dias para a sua confecção e conseqüente entrega à banca examinadora.
Marçal Justen Filho7, do alto de sua cátedra, pontifica: “Logo, o prazo entre a divulgação do concurso e a apresentação dos trabalhos deve ser compatível com o exaurimento da atividade técnica ou artística. Assim, será inválido o concurso que inviabilizar, através do prazo reduzido, a ampla participação dos interessados. Suponha-se que o prazo mínimo para execução de um certo trabalho seja de três meses. Se a apresentação dos trabalhos for fixada para quarenta e cinco dias após a divulgação, somente terão condições práticas de concorrer aqueles que, por algum motivo, já haviam iniciado o trabalho antes da divulgação do concurso. Por isso, deve reputar-se que o prazo mínimo, no concurso, deverá ser compatível com a espécie de trabalho técnico ou artístico de que se trate.”
Lucas Rocha Furtado8 confirma as palavras de Marçal acima reproduzidas, e pondera que, em caso de ser constatada a absoluta impossibilidade da apresentação dos trabalhos no prazo fixado pela norma editalícia, poderá ser deferida a prorrogação do prazo de entrega, o que poderá ser feito por intermédio da publicação de novo edital que difira (postergue) “a data final para inscrição (entrega dos trabalhos)”. Tal medida, aliás, evitaria a tomada de eventuais medidas judiciais pelos licitantes prejudicados, tal como o mandado de segurança, conforme fizemos alusão há pouco.
6) EM SE TRATANDO DE PROJETOS ARQUITETÔNICOS DE PRÉDIOS PÚBLICOS DO GOVERNO FEDERAL, HÁ OBRIGATORIEDADE QUANTO À REALIZAÇÃO DE LICITAÇÃO, QUE A MESMA SEJA EFETUADA NA MODALIDADE DE CONCURSO?
Como bem aponta Carlos Pinto Coelho Motta9, tal obrigação era prevista em lei, a saber, Lei nº 8.220/91. Entretanto, a supracitada norma legal foi revogada. Logo, não mais existe essa obrigatoriedade.
Mas deve ser fixado que o objetivo almejado pela Administração Pública, como, por exemplo, a construção de um Centro Administrativo, poderá levar essa mesma Administração Pública a concluir pela realização do concurso, a fim de que seja escolhido, previamente, o projeto arquitetônico ao qual a futura obra obedecerá.
Com estas breves linhas, esperamos ter passado aos leitores um panorama geral da modalidade de licitação denominada concurso, levantando e respondendo algumas questões de vital importância que são pertinentes a este procedimento licitatório.
A todos, um feliz Natal e um próspero Ano Novo. São os nossos sinceros votos.
NOTAS
1 Lei nº 8.666, de 21.6.93, publicada no DOU de 22.6.93, que “Regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências”.
2 Furtado, Lucas Rocha. In Curso de Licitações e Contratos Administrativos: Teoria, Prática e Jurisprudência, S. Paulo, Atlas, 2001, p. 103.
3 O tema escolhido, para a confecção de trabalhos jurídicos, edição relativa ao ano 2003, na categoria profissional, do VII Concurso Nacional de Monografias do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, cujas inscrições ainda se encontram abertas é: A Legitimidade de Sistema Previdenciário Próprio para o Magistrado como Integrante de uma Carreira de Estado Específica e sem Parâmetros no Serviço Público.
4 Furtado, Lucas Rocha. Ob. cit., p. 104.
5 Justen Filho, Marçal. In Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 7. ed., S. Paulo, Dialética, 2000, p. 205 e 206.
6 Acórdão nº 73/98, TCU, Plenário, Rel. Ministro Marcos Vinícios Vilaça, DOU de 30.6.98.
7 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 206.
8 Furtado, Lucas Rocha. Ob. cit., p. 105.
9 Motta, Carlos Pinto Coelho. In Eficácia nas Licitações e Contratos: Estudos e Comentários sobre as Leis nºs 8.666/93 e 8.987/95, a Nova Modalidade do Pregão e o Pregão Eletrônico; Impactos da Lei de Responsabilidade Fiscal, Legislação, Doutrina e Jurisprudência, 9. ed., rev. atual. e ampl., B. Horizonte, Del Rey, 2002, p. 206.
Artigo publicado na Revista de Direito e Administração Pública – L&C, nº 66, dezembro de 2003, páginas páginas 18 a 20.