Francisco Damasceno Ferreira Neto
O pregão eletrônico apresenta diversas peculiaridades em relação ao pregão comum. Serão minudentemente explicitadas nesse trabalho.
1) COMO PODE SER CONCEITUADO O PREGÃO ELETRÔNICO?
Pregão eletrônico é a modalidade de licitação que visa à contratação, por parte da Administração Pública, de bens e serviços comuns, e na qual a etapa competitiva do certame (nesse caso, os licitantes não comparecem pessoalmente à sessão, como ocorre no pregão comum, também chamado de físico ou presencial), é realizada em ambiente virtual, ou seja, via Internet, com a utilização dos recursos da denominada Tecnologia da Informação (TI).
Em conseqüência, a apresentação das propostas, bem como a posterior fase de lanços e a negociação do pregoeiro com o licitante vencedor da etapa competitiva, para fins de ajustar os preços, e bem assim todos os demais atos que integram a fase externa desse procedimento licitatório, serão realizados por meio da Internet, cujo provedor eletrônico será disponibilizado e gerenciado pela Administração Pública.
2) QUAL A LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO PREGÃO ELETRÔNICO?
De plano, cumpre ressaltar que o fundamento de validade das normas que regulamentam o pregão eletrônico é a Lei nº 10.520/021, que em seu art. 2º, § 1º, assim dispõe: “Poderá ser realizado o pregão por meio da utilização de recursos da tecnologia da informação, nos termos de regulamentação específica”.
Ou seja, a norma legal instituiu e concedeu autorização para a aplicação da modalidade licitatória denominada pregão, desta feita em âmbito eletrônico. E remeteu para o regulamento a questão afeta às normas procedimentais da licitação.
O pregão é regulamentado, no âmbito da União, pelo Decreto nº 3.697/002. Os demais entes integrantes da Federação deverão editar, cada qual, o respectivo regulamento.
Há, ainda, a incidência, nessa nova modalidade de licitação, do Decreto nº 3.587/003, que tem por finalidade o estabelecimento de normas para a infra-estrutura de chaves públicas do Poder Executivo – ICP-Gov., e dá outras providências. Referida norma regulamentar é aplicável tão-somente pela União, não incidindo, portanto, em face dos Estados, Distrito Federal e municípios.
3) OS INTERESSADOS EM PARTICIPAR DO PREGÃO ELETRÔNICO NECESSITAM SER PREVIAMENTE CREDENCIADOS. EM QUE CONSISTE TAL CREDENCIAMENTO?
Como a etapa competitiva do certame realiza-se por intermédio da Internet, há a necessidade de que todos os atos praticados pelos licitantes sejam identificados e reputados autênticos.
Daí o motivo por que o prévio cadastramento é indispensável.
A partir das considerações feitas até aqui, podemos conceituar o credenciamento como ato administrativo pelo qual o indivíduo identifica-se perante a Administração Pública, e que constitui requisito prévio à sua participação em todo e qualquer pregão eletrônico.
Referendando nossas palavras, no sentido de que o ato de credenciamento tem a natureza jurídica de ato administrativo, Marçal Justen Filho4 obtempera que “Para os particulares, o credenciamento previsto no art. 3º corresponde a ato administrativo pelo qual a Administração apura a identidade do sujeito e lhe atribui instrumento para ter acesso ao pregão eletrônico, fornecendo-lhe chave de identificação e senha. Daí derivam inúmeros efeitos jurídicos.”
O art. 3º, caput, do Decreto nº 3.697/00 dispõe que não apenas os participantes da licitação deverão ser cadastrados, mas também o pregoeiro, a equipe de apoio, a autoridade competente da entidade promotora do certame, bem como os operadores do sistema do pregão.
Já o § 1º do art. 3º, da aludida norma regulamentar estatuiu que o credenciamento “dar-se-á pela atribuição de chave de identificação e de senha, pessoal e intransferível, para acesso ao sistema eletrônico”.
Outro aspecto relevante, é que o ato de credenciamento é único, não havendo necessidade de sua repetição a cada pregão eletrônico que o potencial licitante queira participar. A respeito, é expresso o § 3º do art. 3º do Decreto nº 3.697/00, verbis: “A chave de identificação e a senha poderão ser utilizados em qualquer pregão eletrônico, salvo quando cancelada por solicitação do credenciado ou em virtude de sua inabilitação perante o Sicaf”.
Finalizando a resposta à presente indagação, afigura-se útil reproduzir os lúcidos comentários de Marçal Justen Filho5 acerca da norma estabelecida pelo § 3º do art. 3º do Decreto nº 3.697/00: “Em primeiro lugar, o credenciado adquire legitimidade para participar de certames licitatórios, realizados na modalidade de pregão eletrônico. Destaque-se que o credenciamento não se destina a produzir efeitos relativamente a um único pregão. O credenciado poderá participar de todos os pregões eletrônicos realizados pela entidade perante a qual se credenciou.”
4) HÁ PRAZO PARA O LICITANTE PROMOVER O SEU CREDENCIAMENTO, A FIM DE PODER PARTICIPAR DO PREGÃO?
Sim. O art. 7º, III, do Decreto nº 3.697/00 preceitua o seguinte: “Os licitantes ou seus representantes legais deverão estar previamente credenciados junto ao órgão provedor, no prazo mínimo de três dias úteis antes da data da realização do pregão”.
Potencial licitante que queira participar do pregão eletrônico deverá promover o seu credenciamento em até três dias úteis antes da data marcada para a realização do pregão. Caso assim não proceda, não poderá participar do certame, pois, como visto acima, o ato de credenciamento constitui requisito prévio para a participação nessa modalidade licitatória.
Marçal Justen Filho é um feroz crítico desse dispositivo do Decreto federal, pois entende que a fixação de tal prazo jamais poderia ser estabelecido por regulamento, e sim por norma legal.
Os argumentos jurídicos colocados pelo Dr. Marçal6 são deveras relevantes, razão pela qual os reproduzimos na íntegra: “A natureza do pregão eletrônico e a exigência de sigilo impõem a necessidade de credenciamento dos possíveis interessados em participar do certame. O inciso III do art. 7º determinou a obrigatoriedade de credenciamento até três dias úteis antes da data prevista para o pregão. Ora, exigência dessa ordem apenas poderia ser introduzida através de lei. Não consta em nenhum dispositivo legal acerca de pregão a obrigatoriedade de o sujeito comprovar o preenchimento do requisito de participação até três dias úteis antes da data do certame. A inovação se configura como ilegal, tanto mais pela inexistência de razoabilidade acerca da exigência. Qual a necessidade de credenciamento até três dias úteis antes da data da licitação? Regra dessa ordem foi estabelecida a propósito da tomada de preços, mas derivada da circunstância da ausência da fase de habilitação específica. Os três dias destinam-se, presume-se, a permitir que a Administração verifique se o sujeito preenche os requisitos de habilitação (cadastramento). Nesse ponto verifica-se ainda outro problema. O dispositivo determina que o interessado deverá estar credenciado até três dias úteis. Interpretada literalmente a regra, isso significa que o sujeito teria de obter o credenciamento antes desses três dias. Mas como não existe definição de prazo para a Administração realizar o credenciamento, torna-se impossível definir a antecedência com que o interessado deverá pleitear o dito cujo. Suponha-se que o órgão resolva determinar o prazo de dois dias úteis para formalizar o credenciamento. Se o interessado deve estar credenciado até três dias úteis, isso significa que terá de pleitear ao credenciamento até cinco dias úteis antes da data prevista para o pregão. Como o aviso deverá ser publicado com antecedência de oito dias úteis, isso significa que o interessado teria, quando muito, três dias úteis depois de divulgado o aviso para promover seu credenciamento. Ainda que o credenciamento fosse imediato, o interessado teria, no máximo cinco dias úteis se a publicidade tivesse sido realizada com oito dias úteis de antecedência. Como se vê, a questão não é de pequena relevância e não pode ser afastada mediante o argumento de que o credenciamento faz-se para uma série indeterminada de licitações”.
Assiste razão ao ilustre jurista. A questão é grave e, se mantido o entendimento de que este inciso III do art. 7º do Decreto nº 3.697/00 deva ser aplicado, a competitividade do certame e, conseqüentemente, o interesse público perseguido pela licitação, serão seriamente comprometidos, razão por que aproveitamos a oportunidade para recomendar que os demais entes federados não repitam a disposição sob comentário em seus respectivos decretos regulamentares.
Quanto ao administrador público federal, a situação é delicada, reconhecemos, porque não pode o agente público, de ofício, a partir de interpretação jurídica que adotar acerca de um dispositivo que integra a legislação (no caso, art. 7º III do Decreto nº 3.697/00), e que está em pleno vigor, considerar revogado esse mesmo preceito. Isso poderá, até mesmo, gerar responsabilização pessoal do (s) servidor(es) que assim proceder(em).
Por isso, consideramos de bom alvitre que seja observado o dispositivo em comento até uma melhor apreciação do tema pelo Tribunal de Contas da União.
5) A LEGISLAÇÃO, AO DISCIPLINAR O PREGÃO PRESENCIAL, DETERMINOU QUE OS LICITANTES APRESENTASSEM UMA DECLARAÇÃO DE HABILITAÇÃO (DENOMINADA PELA LEI Nº 10.520/02 DE DECLARAÇÃO DE CIÊNCIA), OU SEJA, DE QUE CUMPREM PLENAMENTE OS REQUISITOS DE HABILITAÇÃO. NO TOCANTE AO PREGÃO ELETRÔNICO, EXIGE-SE A APRESENTAÇÃO DE TAL DECLARAÇÃO?
Sim. O art. 7º, V, do Decreto nº 3.697/00 prevê a apresentação da referida declaração, que será firmada em campo próprio do sistema eletrônico.
Eis a redação do dispositivo regulamentar em apreço: “Como requisito para a participação no pregão, o licitante deverá manifestar, em campo próprio do sistema eletrônico, o pleno conhecimento e atendimento às exigências de habilitação previstas no edital, incluindo, para os órgãos participantes do SISG, aquelas que não estejam contempladas pela regularidade perante o Sicaf”.
As críticas formuladas pela doutrina a esse tipo de declaração foram devidamente expostas em recente trabalho de nossa autoria7, e que continuam válidas em se tratando de pregão eletrônico. Mas o fato é que a sobredita declaração é exigida pela norma regulamentar e, apesar dos pesares, deve ser cumprida.
Marçal Justen Filho8 perfaz judiciosas considerações acerca do conteúdo da malsinada declaração, que se encontram assim vazadas: “Formalmente, o conteúdo da declaração deverá estar predeterminado por parte da Administração, indicando-se em termos claros e precisos o conteúdo das exigências. Será um formulário, a ser complementado pelo interessado, o qual deverá apor sua assinatura eletrônica. Lembre-se que o texto não poderá conter nada além do previsto no art. 7º, inc. V. Não será possível introduzir no formulário encargos ou deveres não relacionados estritamente aos requisitos de participação, sob risco de desnaturar-se a função da declaração”.
É óbvio que, devido ao fato de a declaração sob comentário ser firmada em campo próprio do sistema eletrônico, o conteúdo dela deverá ser fixado, a priori, pela Administração Pública. E exatamente por ter dita declaração conteúdo predeterminado, nada além do que consta no art. 7º, V, da norma regulamentar poderá ser incluído em seu texto. Além do que, exigências superiores às que foram definidas na norma regulamentar são descabidas, pois não se pode atribuir aos licitantes ônus maiores que aqueles fixados pela legislação.
6) QUAIS AS INFORMAÇÕES QUE DEVERÃO CONSTAR DO AVISO DA LICITAÇÃO, EM SE TRATANDO DE PREGÃO ELETRÔNICO?
O aviso deverá conter, por óbvio, qual o objeto da licitação, informação que deverá estar explicitada, trate-se de pregão presencial ou eletrônico.
Mas o aviso do pregão eletrônico exige, ainda: a) divulgação de que o pregão será realizado por meio de sistema eletrônico; b) do endereço eletrônico onde será realizada a sessão pública, bem assim a data e a hora da sua realização; c) todas as referências de tempo constantes do aviso deverão observar, obrigatoriamente, o horário de Brasília.
Esta alínea c constitui informação que deverá estar presente não apenas no aviso, mas também no edital e mesmo durante a realização da sessão pública do pregão eletrônico.
Marçal Justen Filho9 assevera que “Questão interessante foi enfrentada pelo inc. II do art. 7º, relativo à questão do horário. A existência de diferentes horas oficiais (seja em períodos comuns, seja na época da adoção do chamado “horário de verão”) poderia gerar equívocos ou dúvidas relevantes. Daí a solução de que deverá adotar-se a hora de Brasília para todos os atos. Isso significa a necessidade de uma especial advertência, para evitar prejuízo aos licitantes situados em local em que vigorem horários diversos.”
De fato, há, afora o horário de verão, a questão do fuso horário. Manaus, capital do Estado do Amazonas, por exemplo, tem uma diferença de uma hora a menos em relação a Brasília. E quando vigorante o horário de verão, esta diferença será de duas horas.
Um exemplo: uma licitação, cuja sessão pública esteja com horário marcado para iniciar às 14 horas. Se eventual licitante, radicado em Manaus, acessar às 14 horas do horário local, o provedor do sistema eletrônico que irá realizar a licitação será prejudicado, porque em Brasília já serão 16:00 horas, e o pregão já terá sido iniciado (já estará a sessão de lanços em fase bem adiantada, isso se já não houver sido encerrada) e o licitante não poderá mais participar deste certame.
Eis a razão pela qual foi sábio incluir a norma do art. 7º, II, no Regulamento do Pregão Eletrônico, pois visa a não-ocorrência de prejuízos aos licitantes.
7) QUAL O ROL DE ATRIBUIÇÕES DO PREGOEIRO, EM SE TRATANDO DE PREGÃO REALIZADO POR VIA ELETRÔNICA?
A respeito de tais atribuições, dispõe o art. 5º do Decreto nº 3.697/00: “Caberá ao pregoeiro a abertura e exame das propostas iniciais de preços apresentadas por meio eletrônico e as demais atribuições previstas no art. 4º do Anexo I do Decreto nº 3.555, de 2000”.
Do exposto, dessume-se que as atribuições do pregoeiro são as mesmas do pregão presencial, desta feita com a necessária adaptação ao pregão eletrônico.
Marçal Justen Filho10 cita, no que concerne à aludida adaptação das atribuições do pregoeiro, o poder que este tem para desconectar licitantes cuja conduta revele-se reprovável, pois como bem adverte o mencionado jurista “A desconexão está para o pregão eletrônico como a exclusão do recinto está para o pregão comum”.
Cumpre, ainda, demonstrar o erro redacional deste art. 5º do Decreto nº 3.697/00, que faz alusão às “demais atribuições previstas no art. 4º do Anexo I do Decreto nº 3.555, de 2000”. Ora, o art. 4º do Regulamento11 enumera os princípios da licitação aplicáveis ao pregão, ao passo que o art. 9º da mesma norma regulamentar12 é que lista o rol de atribuições do pregoeiro. Logo, o art. 5º do Decreto nº 3.697/00, na parte em que se refere ao dispositivo do Anexo I, do Decreto nº 3.555/00, deve ser lido como art. 9º do Anexo I do Decreto nº 3.555, de 2000, e não art. 4º, como lá, equivocadamente, consta.
Registre-se, por imprescindível, que o pregoeiro não é responsável, em sede de pregão eletrônico, pelo credenciamento dos interessados em participar da licitação, no que difere, nesse particular, do pregão presencial, que outorga tal atribuição ao pregoeiro, nos termos do art. 9º, I, do Decreto nº 3.555/00.
Conforme visto acima, o credenciamento, no pregão eletrônico, é disciplinado pelo art. 3º do Decreto nº 3.697/00, que comete ao provedor do sistema eletrônico o credenciamento dos interessados em participar do certame.
Logo, em razão de norma regulamentar expressa, a atribuição do credenciamento dos interessados em participar da licitação não é conferida ao pregoeiro; ao contrário, é afastada dele, pois o regulamento a confere a outrem, que é, na hipótese, o provedor do sistema eletrônico.
O art. 5º, da norma regulamentar ainda fala sobre a atribuição do pregoeiro relativa à abertura e exame das propostas iniciais de preços apresentadas por via eletrônica.
Ora, é evidente que não poderia deixar de ser uma atribuição do pregoeiro, razão por que o dispositivo choveu no molhado, pois está disciplinando o óbvio.
Marçal Justen Filho13 proferiu lúcida observação a respeito, que merece ser reproduzida. Ei-la: “O dispositivo serviria, muito mais, para confirmar que o pregão eletrônico comportará uma fase inicial de propostas, ainda que sua apresentação se faça por via eletrônica. De resto, deve reputar-se que a disciplina prevista no Decreto nº 3.555 para a figura do pregoeiro deve ser interpretada adequadamente, tomando em vista as peculiaridades do pregão eletrônico.”
QUAIS AS SITUAÇÕES ESPECIAIS QUE PODEM OCORRER NO TOCANTE À DESCONEXÃO DO LICITANTE, E QUAIS OS RESPECTIVOS EFEITOS JURÍDICOS QUE DELAS RESULTARÃO?
Já discorremos sobre a desconexão de licitante efetuada pelo pregoeiro, diante de atitude inconveniente do competidor. Quando tal fato ocorrer, estaremos diante de autêntica exclusão do licitante do certame.
Mas há outras situações especiais que envolvem a desconexão e sobre o tema há previsão, ainda que parcial, a respeito na norma regulamentar, mais precisamente em seu parágrafo único, art. 6º, verbis: “Incumbirá ainda ao licitante acompanhar as operações no sistema eletrônico durante a sessão pública do pregão, ficando responsável pelo ônus decorrente da perda de negócios diante da inobservância de quaisquer mensagens emitidas pelo sistema ou de sua desconexão”.
Como se vê, em princípio há um ônus para o licitante no que diz respeito à sua desconexão do sistema eletrônico onde está sendo realizada a sessão do pregão virtual. O preceito regulamentar acima transcrito não deixa margem a dúvidas.
A hipótese tratada pelo Regulamento Federal cuida, aparentemente, apenas da desconexão por culpa do próprio licitante, mas tem uma abrangência maior, vez que trata de toda e qualquer hipótese de desconexão que não ocorra por culpa do pregoeiro (em última análise, por culpa da Administração), porquanto na hipótese de que trata a norma, a mesma é invocável pela Administração, para fins de exoneração de sua responsabilidade, na hipótese de a desconexão do licitante ser provocada por terceiros, e não por agentes estatais.
Marçal Justen Filho14 vislumbra três situações especiais que envolvem a desconexão do licitante. Com a palavra, o eminente doutrinador: “Questão mais problemática relaciona-se com a desconexão do licitante e os efeitos danosos daí derivados para o particular. É possível imaginar três hipóteses distintas, cada qual a merecer solução jurídica específica. Em primeiro lugar, a desconexão pode derivar da conduta do próprio licitante. Voluntariamente ou não, poderá determinar o encerramento de sua conexão no sistema. Quando tal se passar, o licitante poderá reprovar-se a si próprio, mas não se lhe assegurará qualquer faculdade jurídica de insurgir-se contra quem quer que seja. A segunda alternativa envolve a desconexão provocada por ato de terceiro. Podem admitir-se diferentes hipóteses, começando com concessionários de serviços públicos (energia elétrica, telefonia, etc…), passando por fabricantes de computadores e provedores de acesso à Internet e alcançando terceiros que, por ação ou omissão reprovável, venham a produzir o efeito da desconexão. Nesse caso, o licitante poderá voltar-se contra o agente responsável pela desconexão, pleiteando as perdas e danos que puder comprovar. Não disporá de instrumento para obstaculizar o prosseguimento do pregão sem sua participação nem para provocar seu desfazimento. Uma terceira categoria abrange os casos de desconexão indevida imputável à Administração. Tecnicamente, é possível que o pregoeiro determine a interrupção da conexão do licitante que se conduz de modo incompatível com os princípios pertinentes (tal como apontado a propósito do art. 5º, acima). Suponha-se que, por equívoco ou involuntariamente, o pregoeiro promova a desconexão incorreta. Nesses casos, há defeito imputável à autoridade administrativa. Em tais casos, poderá impugnar-se o prosseguimento do certame. Não será possível invocar-se o art. 6º, parágrafo único, o qual disciplina, exclusivamente, as hipóteses de encerramento da conexão por eventos não imputáveis à Administração. Ao determinar indevidamente a desconexão de um licitante, a Administração violou os direitos do particular e atuou indevidamente. Trata-se de hipótese de nulidade do certame, impondo-se a renovação dos autos.”
9) A FASE EXTERNA DO PREGÃO ELETRÔNICO DIFERE DAQUELA ESTABELECIDA PARA O PREGÃO PRESENCIAL? EM CASO AFIRMATIVO, TAL DIFERENCIAÇÃO TROUXE EM SEU BOJO ALGUM TIPO DE INCONSTITUCIONALIDADE?
Sim. Difere completamente. De saída, o art. 7º, caput, do Decreto nº 3.697/00 estabeleceu que “A sessão pública do pregão eletrônico será regida pelas regras específicas nos incisos I a III e XVIII a XXIV do art. 11 do Anexo I do Decreto nº 3.555 de 2000”…
Ora, o primeiro inciso excluído do procedimento do pregão eletrônico pelo art. 7º do Decreto nº 3.697/00, é o inciso IV do Decreto nº 3.555/00, que discorre sobre a sessão pública do pregão presencial e sobre o credenciamento dos representantes dos licitantes que irão participar do certame, credenciamento que, é evidente, será feito direta e pessoalmente e perante o pregoeiro e sua equipe de apoio.
Da mesma forma, outras normas regulamentares que disciplinam o pregão presencial não integram a fase externa do pregão eletrônico, pois foram expressamente afastadas, tal como o inciso V do Decreto nº 3.555/00, que determina e entrega, em envelopes separados, dos documentos de habilitação e de propostas de preços.
O que cumpre fixar é que o núcleo15 do procedimento do pregão presencial não se aplica ao pregão eletrônico, que tem rito próprio estatuído por outra norma regulamentar, qual seja, o Decreto nº 3.697/00.
Marçal Justen Filho16 considera que as normas regulamentares que disciplinam o pregão presencial não poderiam ser afastadas pelo regulamento do pregão eletrônico, vez que, no entender do sobredito jurista, os dispositivos do Decreto nº 3.555/00 apenas reiteram os preceitos legais e, ao afastar, em sede de pregão eletrônico, as regras que compõem o núcleo do procedimento estabelecido para o pregão presencial, está o Decreto nº 3.697/00 negando aplicação às regras legislativas, vale dizer, à Lei nº 10.520/02. E conclui asseverando que seria necessária a edição de uma lei específica para o pregão eletrônico.
As considerações do Dr. Marçal merecem ser reproduzidas na íntegra. Ei-las: “O Decreto nº 3.697 dispõe, no art. 7º, que algumas das normas veiculadas no art. 11 do Decreto nº 3.555 não são aplicáveis ao pregão eletrônico. Ocorre que aqueles dispositivos apenas reiteram o disposto em nível legislativo. A determinação contida no art. 7º equivale a determinar que não se aplicam ao pregão eletrônico as regras legislativas. Essa é uma solução que se poderia defender como lógica e razoável, mas que esbarra na natureza meramente executiva do Decreto nº 3.697. Isso equivale a afirmar que seria necessário dispor sobre o pregão eletrônico através de lei? A resposta é positiva. Essa solução é inevitável, do ponto de vista da sistemática entre nós adotada”.
Entendemos que toda a discussão acerca do tema em questão, resolve-se a partir do enfrentamento de dois pontos cruciais.
O primeiro é o concernente à possibilidade da expedição de decreto autônomo em matéria de modalidades de licitação. Decretos tais podem ser expedidos nessa matéria? Caso seja negativa a resposta à primeira indagação, outro questionamento precisa ser formulado: a segunda parte, do § 1º do art. 2º da Lei nº 10.520/02, que autoriza norma regulamentar a dispor sobre o pregão eletrônico, é inconstitucional?
Passemos à análise de tão pulsantes questões.
É fato que o decreto, em regra, possui função apenas regulamentar, não se admitindo o chamado decreto autônomo, havendo em nosso ordenamento jurídico apenas duas hipóteses em que é lícita a expedição de decretos dessa natureza.
Antes, porém, de passarmos à análise dessas hipóteses, é de bom alvitre que se conceitue decreto autônomo, que é o ato, de cunho geral (e não de efeitos concretos, daí porque, em face de sua generalidade, tem caráter normativo) expedido pelo Chefe do Poder Executivo, e que disciplina assunto não regulado por lei e serve, consoante a saudosa lição de Hely Lopes Meirelles17, “para suprir a omissão do legislador”, sendo-lhe, entretanto, vedado invadir a reserva legal.
Uma vez conceituado tal instituto jurídico, passemos ao estudo das únicas hipóteses em que o mesmo é admitido por nosso regime constitucional.
Com efeito, a Emenda Constitucional nº 32, de 11.9.01, modificou o art. 84, VI, da Lei Maior, e permitiu ao Presidente da República que expeça decretos autônomos em relação às seguintes matérias: a) organização e funcionamento da Administração Federal, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos (art. 84, VI, alínea a, da Carta Magna); b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos (art. 84, VI, alínea b, da Norma Ápice).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro18 é categórica ao afirmar, que, em regra, a Constituição Federal em vigor inadmite a figura do decreto autônomo, abrindo exceção apenas às matérias por nós enumeradas acima.
Constata-se, de plano, que a expedição de decretos autônomos em matéria de modalidades licitatórias é absolutamente proibida.
Do exposto, percebe-se que a resposta ao primeiro questionamento é negativa, o que impõe seja respondida a segunda indagação.
O fato é que uma lei, a saber, Lei nº 10.520/02, constitui o fundamento de validade do Decreto nº 3.697/00, pois o art. 2º, § 1º, da referida norma legal autorizou a realização da modalidade licitatória denominada pregão, desta feita por meio eletrônico, consoante regulamentação específica, ou seja, remeteu para norma regulamentar todo o disciplinamento do pregão eletrônico, inclusive no tocante ao rito a ser obedecido durante o desenrolar da fase externa da licitação.
Ora, se decreto autônomo não pode ser expedido sobre matéria concernente às modalidades de licitação, salta aos olhos a inconstitucionalidade da segunda parte do § 1º do art. 2º da Lei nº 10.520/02, pois não pode o preceito em tela determinar que decreto autônomo regule inteiramente matéria que deve ser disciplinada por lei.
Essa relevante questão acerca da constitucionalidade ou não do art. 2º, § 1º, segunda parte, da Lei nº 10.520/02, ainda não foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, razão por que o dispositivo em apreço continua em pleno vigor.
Temos consciência de que a proclamação de tal inconstitucionalidade, por parte do Excelso Pretório, tornaria inviável a realização do pregão eletrônico, que ficaria à espera da edição de uma lei específica que o discipline.
Aliás, não deve ser esquecido que o Decreto nº 3.697/00 é aplicável, tão-somente, à União. Cada ente federado terá que editar seu próprio decreto. Dessa forma, todos os decretos que forem expedidos pelos respectivos chefes do Poder Executivo terão caráter autônomo, o que, repita-se, em matéria de modalidades de licitação é absolutamente vedado.
Para não prejudicar a própria aplicação da modalidade licitatória em questão, vemos como medida imperativa a edição duma lei que regule o pregão eletrônico, pois a Administração Pública não está livre de ser surpreendida com o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade, que venha a impugnar o art. 2º, § 1º, segunda parte, da Lei nº 10.520/02, pois na hipótese de tal inconstitucionalidade ser reconhecida sérios prejuízos advirão à máquina estatal de todos os entes federados (União, Estados, municípios e Distrito Federal).
Apesar de todo o exposto, na prática o administrador público deve obediência ao princípio da legalidade, que tem status constitucional, razão pela qual não pode negar aplicação ao preceito legal em referência, e, via de conseqüência, ao Decreto nº 3.697, especialmente o seu art. 7º.
Ora, a modalidade licitatória denominada pregão eletrônico está em pleno vigor e inúmeros entes federados dela se utilizam, motivo por que se impõe que passemos, agora, ao comentário do procedimento fixado pelo art. 7º do Decreto nº 3.697/00, que será objeto de resposta da nossa próxima indagação.
10) COMO É ESTRUTURADO O PROCEDIMENTO DA SESSÃO DE LANÇOS DO PREGÃO ELETRÔNICO?
Uma vez iniciada a sessão virtual, os licitantes encaminharão suas propostas de preços.
Note-se que no pregão eletrônico não será apresentada a documentação de habilitação juntamente com a proposta de preços, o que constitui regra no pregão presencial, aí residindo uma significativa diferença entre os procedimentos de uma e de outra modalidades.
De fato, no pregão eletrônico o licitante formula sua proposta de preços e nada mais, pois a documentação relativa à habilitação será apresentada ao final, conforme veremos adiante.
E como as propostas de preços serão encaminhadas? Marçal Justen Filho19 assevera que “o regulamento federal não apresenta maiores informações acerca da forma de encaminhamento da proposta. Poderia cogitar-se da existência de um formulário apropriado, com campos a preencher pelo interessado e cujos termos básicos fossem imutáveis. O licitante preencheria apenas os dados variáveis, atinentes à qualidade, quantidade e preço de sua oferta. Essa solução seria similar àquela prevista em outros incisos acerca de questões complementares (por exemplo, quanto ao tema do orçamento para serviços comuns). Outra alternativa seria facultar ao sujeito a remessa de arquivo anexado a uma mensagem ou a digitação direta no programa de que se trate. Essa solução seria tecnicamente inferior à primeira, eis que poderia gerar inúmeros problemas de difícil solução. Assim, haveria o risco de que o pregoeiro não lograsse ter acesso ao conteúdo da mensagem, por problemas técnicos de difícil identificação. Seria admissível remessa da proposta por via diversa da prevista? Assim, por exemplo, imagine-se que o sujeito remeta sua proposta por e-mail comum. Ou, para figurar hipótese bizarra, suponha-se que o sujeito remeta sua proposta através de arquivo em disquete, protocolando-a perante a entidade que realiza o certame. Ambas as alternativas são inadmissíveis. O interessado tem de encaminhar a proposta segundo o procedimento previsto no ato convocatório”.
As palavras de Marçal Justen Filho não deixam margem a dúvidas. Ressalte-se, apenas, que em face da omissão da norma regulamentar, o edital deverá regular a forma pela qual as propostas serão remetidas. O meio de formulação de proposta a ser previsto no ato convocatório deve ser escolhido entre as duas primeiras hipóteses ventiladas pelo Dr. Marçal, pois ambas são tecnicamente aceitáveis e estão de acordo com o espírito do pregão eletrônico.
Outro aspecto que deve ser registrado é que serão encaminhadas pelo licitante, juntamente com a proposta de preço, as planilhas de custos, quando a apresentação de tais planilhas forem previstas no edital. Tal encaminhamento será efetuado por meio de formulário eletrônico específico, a ser disponibilizado pela Administração Pública.
A previsão do encaminhamento das planilhas de custos consta do art. 7º, VI, do Decreto nº 3.697/00, cuja redação é ora reproduzida: “No caso de contratação de serviços comuns, as planilhas de custos previstas no edital deverão ser encaminhadas em formulário eletrônico específico, juntamente com a proposta de preço”.
Marçal Justen Filho20 discorre sobre a conseqüência que a falta de encaminhamento das planilhas de custos, quando previstas no edital, acarretará para o licitante, senão vejamos: “O formulário deverá conter os campos a serem preenchidos pelos interessados, como admissão de admissibilidade da proposta. Ou seja, se o sujeito não preencher a planilha, sua proposta não será admitida.”
Outra diferença substancial entre os pregões eletrônico e presencial é que, no primeiro, todos os licitantes que não forem excluídos da licitação em razão da formulação de propostas que, estejam, desconformes com as exigências legais, regulamentares e editalícias passarão à fase de lanços. Nesse contexto, perde importância a apresentação da proposta de menor preço, que no pregão físico é fundamental, pois nessa modalidade de pregão é a partir da formulação de tal proposta que os demais licitantes serão admitidos à fase de lanços, pois todos os competidores que formularem propostas superiores à de menor preço, até o limite de dez por cento (e que, obviamente, não formulem propostas em desconformidade com o edital), avançarão na licitação, podendo, assim, ofertar os seus lanços.
Peculiaridade que urge ser salientada em sede de pregão eletrônico é a que diz respeito à ordem em que serão proferidos os lanços, vez que não há qualquer preceito que regule a matéria no Decreto nº 3.697/00, ao contrário do pregão físico, onde há norma que determina ser o licitante que apresentou a proposta de maior valor (quando da formulação das propostas escritas) o primeiro a formular o seu lanço, e assim sucessivamente, até que se chegue no licitante que formulou a proposta de menor valor, pois esse será o último competidor a efetuar o seu lanço.
Logo, cada licitante poderá efetuar seu lanço sem uma ordem preestabelecida e na medida de sua conveniência, não havendo obrigatoriedade na sua formulação.
Regra específica do pregão eletrônico que repete dispositivo do pregão comum é a de que não serão permitidos lanços de igual valor (art. 7º, XI, do Decreto nº 3.697/00). Em ocorrendo tal hipótese, prevalecerá “aquele que for recebido e registrado em primeiro lugar”. É que, como não há uma ordem prefixada para o oferecimento de lanços, aquele que for efetuado em primeiro lugar preferirá àquele de igual valor ofertado logo após.
O art. 7º, X, do Decreto nº 3.697/00 ainda explicita que “só serão aceitos os lances (sic) cujos valores forem inferiores ao último lance (sic) que tenha sido anteriormente registrado no sistema”. Essa disposição deve ser interpretada.
Em se tratando de pregão comum, poderá o edital, ou mesmo o pregoeiro se o ato convocatório do certame não houver disciplinado a questão, fixar percentual mínimo entre os lanços, o que se justifica para evitar a formulação de lanços com diferença irrisória entre um e outro.
E no pregão eletrônico há alguma norma constante do Decreto nº 3.697/00 que contenha comando expresso nesse sentido? Não. Aliás, nem mesmo no Decreto nº 3.555/00, que disciplina o pregão presencial, há preceito que verse sobre a fixação de limites mínimos entre os lanços. Trata-se de uma medida recomendada por considerável parcela da doutrina e que tem sido incorporada à praxe administrativa, com a fixação, no edital da licitação, de tais limites mínimos, pois do contrário a sessão do pregão físico arrastar-se-ia, e muito, o que, convenhamos, é inteiramente desnecessário e prejudicial ao interesse público, e, por que não dizer aos próprios competidores? A respeito, procedemos alguns comentários21 na edição anterior deste periódico.
E, com muito mais razão, o pregão eletrônico deve dar continuidade a essa praxe, até porque nessa modalidade de licitação o competidor não se encontra fisicamente presente, estando conectado via Internet ao certame, e, como é notório, problemas de ordem tecnológica podem ocasionar a desconexão do(s) licitante(s), razão pela qual o tempo se afigura como fator primordial em sede de pregão eletrônico.
Marçal Justen Filho22 adverte sobre os riscos de desconexão do licitante durante o transcorrer do pregão eletrônico: “Ora, como já exposto, o prazo de conexão envolve circunstância problemática para o pregão eletrônico. A ampliação da duração do processo tende a ampliar riscos de perda de conexão ou dificuldades similares”.
Fixe-se, pois, que o tempo é elemento essencial do pregão eletrônico, em face dos recursos tecnológicos utilizados por essa modalidade licitatória.
Por isso mesmo, os incisos XIII e XIV, do Regulamento do Pregão Eletrônico23, disciplinaram a questão afeta à duração da disputa, o que constitui outro aspecto diferencial desta modalidade de licitação em relação ao pregão comum.
Nesse ponto, passamos a palavra a Marçal Justen Filho24, que, do alto de sua cátedra, preleciona: “Para solucionar essas questões, adotaram-se duas alternativas, tal como se vê dos incs. XIII e XIV. A regra básica é a emissão de aviso aos interessados. Em qualquer caso, o encerramento acontecerá após aviso aos interessados. Esse aviso pode ser remetido em virtude de programação do sistema ou por decisão do pregoeiro, cabendo ao edital determinar a solução cabível. Quando incumbir ao pregoeiro deliberar sobre a emissão do aviso, o encerramento da competição ocorrerá trinta minutos após. Já na hipótese de emissão automática do aviso, o encerramento dar-se-á em “até” trinta minutos, prazo “aleatoriamente determinado também pelo sistema eletrônico”. Ou seja, nessa última hipótese o encerramento poderá ocorrer em apenas alguns minutos depois de emitido o aviso.”
Outra peculiaridade do pregão eletrônico é respeitante à sigilosidade dos lanços, pois, a despeito da imediata comunicação da oferta de preço proferida a todos os demais licitantes, sua autoria não será divulgada.
Tal sigilo tem por finalidade a eliminação de qualquer possibilidade de conluio entre os licitantes, um risco que poderia ser demasiadamente ampliado em razão dos modernos recursos tecnológicos de comunicação à distância. O sigilo da autoria de lanço, portanto, é medida que se impõe e que está prevista expressamente na norma regulamentar, mais precisamente em seu art. 7º, XII.
A negociação promovida pelo pregoeiro, que já é prevista no pregão comum, é igualmente disciplinada pelo rito do pregão eletrônico.
Todavia, há uma contradição no disciplinamento de tal negociação em sede de pregão eletrônico.
Conforme vimos acima, duas são as formas pelas quais se poderá dar o encerramento da disputa, dependendo do que houver sido previsto no edital: 1) o sistema eletrônico emite, automaticamente, aviso de que o pregão será encerrado; 2) o pregoeiro emite o aviso de encerramento da licitação.
Ocorre que o inciso XV25 do Decreto nº 3.697/00, somente autoriza o pregoeiro a efetuar negociação diretamente com o licitante que apresentou o lanço de menor valor, a fim de obter melhor preço, quando o aviso de encerramento da disputa couber ao próprio pregoeiro.
Há, portanto, uma discrepância que, em nosso entendimento, contraria o interesse público, vez que obedecido, ipsis litteris, o comando do art. 7º, inciso XV, do Decreto nº 3.697/00, poderemos chegar a uma situação em que não haja outra saída ao pregoeiro que não seja a da revogação do certame.
Para que seja configurada hipótese que obrigue o pregoeiro a revogar a licitação, basta, nos termos de exemplo elaborado por Marçal Justen Filho26, que o menor lanço obtido pelo pregoeiro esteja acima do preço de mercado (no exemplo, o pregoeiro detém informações que caracterizam o menor preço ofertado no pregão eletrônico como sendo superior aos que são cobrados no mercado) e que o pregoeiro não possa iniciar negociação com o respectivo licitante, vez que o aviso de encerramento da licitação foi efetivado pelo sistema eletrônico. Ora, contratar por preço superior àqueles que são os usuais no mercado contraria o interesse público e um dos objetivos maiores de toda e qualquer licitação, que é a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública. E se o pregoeiro não pode iniciar negociação a fim de reduzir tal preço, trazendo-o para a realidade do mercado, só resta a revogação do certame, o que poderia ser evitado caso a norma regulamentar tivesse permitido a negociação entre pregoeiro e o licitante que apresentou o lanço de menor valor também na situação prevista no inciso XIII do Decreto nº 3.697/00.
Ressalte-se que entendemos não ser medida de bom alvitre, por parte do pregoeiro, promover a negociação com o licitante que apresentou o menor lanço, quando o edital dispuser que cabe ao sistema eletrônico a expedição do aviso de encerramento da disputa, pois não cabe ao administrador público qualquer tipo de insurgência contra a norma regulamentar, devendo cumpri-la fielmente, a fim de resguardar sua responsabilidade funcional.
Em face do exposto, chegando a uma situação similar àquela expressa no exemplo acima formulado, deve o pregoeiro revogar o certame licitatório.
Encerrada a fase de lanços, após a negociação promovida pelo pregoeiro, ou sem a ocorrência desta última (seja porque o aviso de encerramento foi efetuado pelo sistema eletrônico, ou porque o pregoeiro simplesmente não a promoveu, mesmo tendo competência para tanto), será declarado o licitante vencedor (art. 7º, XVI, do Decreto nº 3.697/00).
Em se tratando de pregão que tenha por objeto a aquisição de serviços comuns, o licitante que ofertou o menor lanço deverá encaminhar “a planilha de custos referida no inciso VI, com os respectivos valores readequados ao valor total apresentado pelo lance (sic) vencedor” (art. 7º, XVII, do Regulamento do Pregão Eletrônico).
Caso a planilha em referência não seja encaminhada, o lanço de menor valor será considerado inadmissível e sairá vencedor da licitação o competidor que foi classificado em segundo lugar na fase de lanços.
Marçal Justen Filho27 discorre sobre a hipótese em apreço: “E se o licitante, dentro dos prazos previstos, não encaminhar a planilha com os valores readequados? Isso equivale ao descumprimento de requisitos de admissibilidade do lance, acarretando a desclassificação. Portanto, o lance (sic) de menor valor seria reputado como juridicamente inadmissível, passando-se a condição de vencedor para o imediatamente subseqüente. Idêntica solução se daria quando o conteúdo da planilha readequada infringisse regras editalícias ou apresentasse defeitos insuperáveis.”
Ainda no tocante à planilha de custos, o inciso XVIII do art. 7º determina que as mesmas serão apresentadas pelo licitante vencedor à entidade promotora do pregão eletrônico em original ou fotocópias autenticadas, pois tal apresentação constitui requisito para a celebração do contrato.
Essas são as considerações que tínhamos a fazer, no tocante à sessão pública do pregão eletrônico. No próximo questionamento, daremos destaque ao exame da documentação relativa à habilitação, que somente é apresentada pelo licitante vencedor ao final do certame.
11) LICITANTE VENCEDOR NO PREGÃO ELETRÔNICO, JÁ CADASTRADO NO SICAF, E QUE É CHAMADO PARA COMPROVAR A REGULARIDADE DA DOCUMENTAÇÃO RELATIVA À HABILITAÇÃO, DEVERÁ REPETIR A APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS QUE LHE FORAM EXIGIDOS PARA FIGURAR NO REFERIDO SISTEMA CADASTRAL DE FORNECEDORES?
O assunto é regulado pelo inciso XX do art. 7º do Decreto nº 3.697/00, que guarda a seguinte redação: “encerrada a etapa de lances (sic) da sessão pública, o licitante detentor da melhor oferta deverá comprovar, de imediato, a situação de regularidade na forma dos arts. 28 a 31 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, podendo esta comprovação dar-se mediante encaminhamento da documentação via fax, com posterior envio do original ou cópia autenticada, observados os prazos legais pertinentes;”
Marçal Justen Filho28 perfilha posicionamento no sentido de que este inciso XX deve ser aplicado com temperamentos, vez que é desnecessária a repetição da apresentação de documentação, em sede de pregão eletrônico, que é exigida para o cadastramento no Sicaf, se o licitante nele já é cadastrado. Eis as considerações do eminente administrativista: “O inciso XX apresenta redação algo despropositada. Determina que o autor do vencedor deverá comprovar o preenchimento dos requisitos exigidos nos arts. 28 a 31 da Lei de Licitações. Ora, o Dec. 3.697 condiciona a participação no pregão eletrônico ao cadastramento no Sicaf, para o qual é indispensável a comprovação de inúmeras das exigências contidas nos mesmos arts. 28 a 31 da Lei nº 8.666. Não teria o menor cabimento imaginar que o cadastro no Sicaf (ou em outro sistema equivalente) seria algo inútil e que o licitante teria de renovar a exibição da mesma documentação. É evidente que as comprovações realizadas para fim de cadastramento no Sicaf dispensam o interessado de renovar a exibição dos mesmos documentos já apresentados em momento anterior. Portanto, o inciso XX deve ser interpretado segundo o princípio da razoabilidade, impondo o ônus de apresentação de documentos apenas quando tal não tiver sido realizado em época precedente.”
Tem razão o Dr. Marçal. E ao princípio da razoabilidade some-se outro fundamento que milita em desfavor da repetição da documentação de habilitação quando o (s) licitante (s) já for (em) cadastrado (s) no Sicaf: o princípio da eficiência, que foi erigido à condição de princípio constitucional da Administração Pública, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/98.
Renovar o mesmo ônus aos licitantes (e não só ao licitante vencedor, mas a todos os demais competidores, pois se o licitante vencedor for excluído do certame por inabilitação, ou caso sua proposta seja considerada inaceitável, o segundo colocado será convocado para apresentar os documentos de habilitação, e assim sucessivamente) que dele já se desincumbiram constitui medida flagrantemente redundante, e, porque não dizer, obtusa.
Conclamamos os Estados, municípios e o Distrito Federal a não repetirem, em seus regulamentos, a redação deste inciso XX. Ao contrário, em dispositivo similar deve ficar claro que o cadastramento no Sicaf ou em sistema cadastral próprio que tais entes federados detenham (que se equiparem ao Sicaf), dispensa a reapresentação de documentação quando os licitantes já figurarem em tal (is) cadastro (s).
12) LICITANTE NÃO CADASTRADO NO SICAF PODE PARTICIPAR DO PREGÃO ELETRÔNICO?
Ressalte-se que a presente questão deveria ter sido tratada quando discorremos sobre o cadastramento dos licitantes.
Preferimos, contudo, proceder à análise de tão judiciosa questão neste momento, porque há uma séria controvérsia a ser dirimida em matéria de habilitação e que está relacionada ao credenciamento dos competidores.
Com efeito, o Decreto nº 3.697/00 estabelece que o cadastramento no Sicaf constitui condição para o credenciamento. Ora, o credenciamento, consoante visto acima, constitui requisito à participação do (s) licitante (s) no pregão eletrônico.
Logo, nos termos do Decreto nº 3.697, art. 3º, § 2º, sem cadastramento no Sicaf, o licitante não poderá participar do pregão eletrônico, pois seu credenciamento não será efetuado pela Administração Pública.
Vimos acima que o Decreto nº 3.697 é autônomo, cuja evocação é proibida em sede de modalidades de licitação, daí resultando a flagrante inconstitucionalidade da segunda parte do § 1º do art. 2º da Lei nº 10.520/02.
Ora, o estabelecimento do Sicaf como condição para o credenciamento é matéria reservada a lei, não podendo norma regulamentar, autonomamente, discipliná-la.
Pelos motivos expostos, Marçal Justen Filho29 insurge-se contra a regra do § 2º do art. 3º do Decreto nº 3.697/00, fazendo-o nos seguintes termos: “Não se pode extrair a obrigatoriedade do cadastramento no Sicaf como condição para participar do certame. Tal imposição apenas poderia resultar de dispositivo legal e não decorre da natureza do pregão eletrônico. Insista-se que as peculiaridades tecnológicas do pregão eletrônico não produzem a necessidade de cadastramento prévio no Sicaf. Nada impediria que o interessado produzisse seu credenciamento para participar do pregão eletrônico, sem necessidade de cumprimento de todos os requisitos do Sicaf. Enfim, todas as considerações realizadas anteriormente, acerca da inviabilidade de submeter a participação de interessados a exigências não previstas em lei, aplicam-se aqui.”
Contudo, mais uma vez, aconselhamos o administrador público a obedecer, em todos os seus termos, ao inciso XX do Decreto nº 3.697/00, pois em se conduzindo dessa forma o gestor da coisa pública evitará sua responsabilização pessoal.
E o particular, fica completamente desamparado? Não. Da decisão que inadmitir o cadastramento cabe mandado de segurança, que é o writ constitucional previsto em nosso ordenamento jurídico para questionar, em juízo, ato ilegal praticado por autoridade pública.
A ilegalidade a embasar mandado de segurança ajuizado para questionar a inadmissão de credenciamento de potencial licitante, por não estar este cadastrado no Sicaf, consiste na impossibilidade de norma regulamentar, e tão-somente ela, regular matéria reservada à lei. Ao negar o credenciamento, a autoridade pública competente comete ato ilegal, que, portanto, não se coaduna com o Direito positivo em vigor.
Mas é recomendável, a fim de evitar o indeferimento de seu credenciamento e os dissabores próprios do conseqüente ingresso em juízo, visando combater esse ato ilegal, que o particular interessado em participar de futuros pregões eletrônicos providencie, o quanto antes, seu cadastramento no Sicaf.
Por fim, exortamos, mais uma vez, os demais entes federados a não reproduzirem em seus respectivos regulamentos a norma do § 2º do art. 3º do Decreto nº 3.697/00, seja com relação ao Sicaf, ou no tocante a sistema de cadastramento próprio do ente federado (Estados, municípios e Distrito Federal), que se equipare ao Sicaf.
13) CASO O EDITAL PREVEJA A NECESSIDADE DE CADASTRAMENTO DOS LICITANTES EM OUTROS SISTEMAS CADASTRAIS ALÉM DO SICAF, TAL CADASTRAMENTO CONSTITUIRÁ CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL PARA O CREDENCIAMENTO?
Em face da sistemática adotada pelo Decreto nº 3.697/00, a resposta é afirmativa.
Tirante os órgãos integrantes do SISG, há a possibilidade de outros sistemas cadastrais serem utilizados.
Advirta-se, porém, que as considerações expendidas no questionamento anterior são perfeitamente válidas neste caso. Cadastramento prévio, seja em que sistema cadastral for, não pode constituir-se em condição indispensável para o credenciamento.
Contudo, o administrador público não pode deixar de cumprir as disposições constantes do Regulamento do Pregão Eletrônico. E, uma vez prevista no ato convocatório do certame a utilização de outros sistemas cadastrais que não o Sicaf, o credenciamento não poderá ser efetuado se o potencial licitante neles não estiver cadastrado.
Na hipótese ora tratada também caberá a interposição de mandado de segurança, pois o ato praticado por autoridade pública igualmente será revestido de manifesta ilegalidade, pois é vedado à norma regulamentar invadir matéria reservada ao disciplinamento da lei.
Marçal Justen Filho30 enfrenta a questão: “Seria possível o edital determinar, numa situação dessas que o cadastramento (ainda que perante outros cadastros, diversos do Sicaf) seria condição de credenciamento? A pergunta propõe questão similar àquela já examinada acima, relativamente à exigência contida no Decreto nº 3.697 a propósito do cadastro no Sicaf como requisito de credenciamento para participar do pregão eletrônico. Determinações dessa ordem apenas podem ser introduzidas por lei. No entanto, a solução jurídica deverá ser idêntica para todos os casos. Admitindo-se como válida a imposição de cadastramento obrigatório no Sicaf, o mesmo entendimento terá de prevalecer a propósito da obrigatoriedade imposta quanto a outros cadastramentos. Nem haverá diferença extraível do instrumento normativo adotado”.
14) O REGULAMENTO DO PREGÃO ELETRÔNICO DISCIPLINA A HIPÓTESE RELATIVA À INSUFICIÊNCIA DO CADASTRAMENTO? EM CASO AFIRMATIVO, EM QUE MOMENTO DA FASE EXTERNA DO PREGÃO ELETRÔNICO SERÃO APRESENTADOS OS DOCUMENTOS FALTANTES, E POR QUAL MEIO DE COMUNICAÇÃO?
A matéria é regulada, de forma expressa, pelo inciso XXI do art. 7º do Decreto nº 3.697/00, que dispõe: “nas situações em que o edital tenha previsto requisitos de habilitação não compreendidos pela regularidade perante o SICAF, quando dos procedimentos licitatórios realizados por órgãos integrantes do SISG, o licitante deverá apresentar imediatamente cópia da documentação necessária, por meio de fax, com posterior encaminhamento do original ou cópia autenticada, observados os prazos legais pertinentes”.
A situação em apreço é a seguinte: o licitante foi credenciado, vez que está cadastrado perante o Sicaf, participou da licitação, foi vencedor na fase de lanços e será examinada, agora, a aceitabilidade de sua proposta e a de seus documentos de habilitação.
Suponha-se, contudo, que o edital exija outros documentos além daqueles que estão compreendidos no Sicaf. O competidor terá, pois, que apresentá-los, e o momento oportuno para tanto é exatamente após o encerramento da fase de lanços, porquanto com o encerramento desta fase se passará à etapa de habilitação.
O meio de comunicação previsto para a remessa da documentação faltante é o fac-símile, com posterior remessa dos originais ou fotocópias autenticadas, observados os prazos legais em vigor.
Registre-se que, nesse particular, há lei vigente regulando a “utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais”, a saber, Lei nº 9.800/9931.
O art. 2º, caput, e parágrafo único, da Lei nº 9.800/99, encontram-se assim redigidos: “Art. 2o A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo, necessariamente, até cinco dias da data de seu término. Parágrafo único. Nos atos não sujeitos a prazo, os originais deverão ser entregues, necessariamente, até cinco dias da data da recepção do material.”
No caso do pregão eletrônico, poderão ser apresentados não só os originais, mas também fotocópias autenticadas, um ou outro.
Do exposto, remetida via fac-símile a documentação faltante, o que se dará após o encerramento da fase de lanços, o licitante terá o prazo de cinco dias para promover a juntada dos originais ou fotocópias autenticadas.
Note-se que os prazos processuais podem ser contados em horas, dias ou meses. O prazo em tela é contado em dias e o seu termo inicial dar-se-á a partir do dia imediatamente posterior ao da realização do pregão eletrônico. Exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do vencimento.
Caso o aludido prazo não seja cumprido, o licitante será declarado inabilitado.
Consigne-se, por oportuno, que nada impede que o licitante apresente, de imediato, a documentação original.
De fato, o inciso XXI do art. 7º do Decreto nº 3.697/00 deve ser interpretado, no que concerne ao meio de comunicação para remessa da documentação não constante do Sicaf, como uma forma de facilitar a vida do licitante, sendo, pois, uma faculdade a remessa da dita documentação por fax, e não medida obrigatória, conforme se depreende dos próprios termos em que se encontra redigido o supracitado inciso XXI.
Para concluir, não poderíamos deixar de fazer menção às percucientes observações de Marçal Justen Filho32 a respeito da facultatividade do envio da documentação em questão, via fac-símile. Ei-las: “O Dec. 3.697 prevê, inovadoramente, que a única alternativa é a apresentação dos documentos por via de fac-símile. Essa regra deve ser interpretada em termos, já que não existe regra legal para lhe dar embasamento. Se o sujeito tem o dever de apresentar, dentro de certo prazo, os originais, é evidente que poderá fazê-lo desde logo. Nada impede que o licitante mantenha representante nas proximidades das instalações do órgão que promove a licitação. Selecionada como vencedora a sua proposta, o licitante tem a faculdade de apresentar os originais imediatamente. A transmissão via fac-símile é uma alternativa para facilitar o cumprimento da formalidade, concedendo-se prazo mais dilatado para a sua complementação.”
15) HÁ NORMA EXPRESSA PREVISTA NO DECRETO Nº 3.697/00, QUE REGULE A ACEITABILIDADE DO LANÇO DE MENOR VALOR, BEM COMO A AUFERIÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS DE HABILITAÇÃO DO LICITANTE VENCEDOR NA FASE DE LANÇOS? EM CASO AFIRMATIVO, QUAL O DISCIPLINAMENTO QUE É DADO À MATÉRIA PELA NORMA REGULAMENTAR?
Sim, há norma específica prevista no Decreto nº 3.697/00, a saber, o art. 8º, caput, que se encontra assim vazado: “Se a proposta ou o lance (sic) de menor valor não for aceitável, ou se o licitante não atender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará a proposta ou o lance (sic) subseqüente, verificando a sua aceitabilidade e procedendo à sua habilitação, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma proposta ou lance (sic) que atenda ao edital.”
A despeito da existência de preceito expresso, que é exatamente o art. 8º acima reproduzido, o procedimento para auferição da aceitabilidade da proposta ou lanço, bem como o relativo à habilitação ou não do licitante, não difere, em nada, das regras estabelecidas para o pregão comum, pelo que remetemos o leitor aos comentários que expendemos em artigo de nossa autoria33, veiculado neste periódico no mês passado.
16) QUAL O RITO ESTABELECIDO PARA A FASE RECURSAL DO PREGÃO ELETRÔNICO?
Quando discorremos sobre o processamento dos recursos em sede de pregão presencial, deixamos claro que a interposição do recurso é efetuada na própria sessão pública da licitação, e de forma oral. As razões da irresignação do licitante é que são reduzidas a termo.
No pregão eletrônico, há clara diferenciação no que tange ao processamento dos recursos, até mesmo pela natureza desta modalidade licitatória, vez que nesta última os licitantes não estão, do ponto de vista físico, presentes em determinado prédio da Administração Pública, onde o certame acontece. Todos os atos procedimentais são realizados à distância, com os recursos da tecnologia da informação (TI), ou seja, via Internet.
Por isso mesmo, a imediata e prévia manifestação do licitante, assim como a apresentação de suas razões, inclusive memoriais, assim como de eventuais contra-razões ofertadas pelos demais competidores, serão realizadas no âmbito do sistema eletrônico, em formulários próprios. Assim dispõe a norma regulamentar34, vale dizer, o inciso XIX do art. 7º do Decreto nº 3.697/00.
No tocante ao prazo para a oferta de razões escritas, o inciso sobredito XIX do art. 7º do Decreto nº 3.697/00, não o fixou. E como o caput do art. 7º da norma regulamentar excluiu o inciso XVII do Regulamento do Pregão Presencial (Decreto nº 3.555/00), que fixa o prazo para a apresentação de tais razões (que é de três dias, contados da manifestação motivada do licitante), há uma lacuna no que concerne à estipulação do sobredito prazo, que, em nosso entendimento, deve ser suprida pelo edital, o qual deverá levar em conta a natureza do pregão eletrônico.
O mesmo raciocínio é aplicável às contra-razões do recurso.
17) CASO OCORRA A DESCONEXÃO DO PREGOEIRO, QUAL A CONSEQÜÊNCIA QUE DAÍ ADVIRÁ?
A hipótese de desconexão temporária do pregoeiro é regulada pelo caput do art. 11 do Decreto nº 3.697/00, que tem a seguinte redação: “No caso de desconexão com o pregoeiro, no decorrer da etapa competitiva do pregão, o sistema eletrônico poderá permanecer acessível aos licitantes para a recepção dos lances (sic), retomando o pregoeiro, quando possível, sua atuação no certame, sem prejuízo dos atos realizados”.
Nesse caso, conseqüências jurídicas de maior monta não ocorrerão. Os licitantes poderão dar continuidade à formulação de seus lanços, sem grandes problemas.
A desconexão continuada é que ocasionará prejuízos ao prosseguimento do certame. A matéria é disciplinada pelo parágrafo único do art. 11, que se encontra assim vazado: “Quando a desconexão por tempo superior a dez minutos, a sessão do pregão será suspensa e terá reinício somente após comunicação expressa aos participantes”.
Ou seja, a desconexão continuada importará na suspensão da sessão do pregão eletrônico, que somente será reiniciada quando os licitantes receberem comunicação expressa nesse sentido.
Note-se que a sessão não é interrompida, e sim suspensa. A precisão vernacular é proposital, vez que ao ser suspensa a sessão, todos os atos até então praticados são válidos, ou seja, são aproveitados. Restabelecida a conexão do pregoeiro, e uma vez reiniciada a sessão do pregão eletrônico, os trabalhos serão retomados do ponto exato em que houve a suspensão da sessão.
Ora, caso o pregão fosse interrompido, todo o procedimento teria de ser renovado, não se aproveitando, pois, nenhum resultado dos atos realizados.
Mas, enfim, o caso é de suspensão da sessão, e não de sua interrupção, no que andou bem a norma regulamentar.
18) EM QUE MOMENTO SERÁ PROCLAMADA A CLASSIFICAÇÃO DEFINITIVA E A CONSEQÜENTE ADJUDICAÇÃO DO OBJETO DO PREGÃO ELETRÔNICO?
A classificação definitiva será proclamada pelo pregoeiro após a obtenção de lanço aceitável, por licitante que esteja plenamente habilitado.
Pode ocorrer que o licitante vencedor na fase de lanços não tenha formulado lanço aceitável, ou que, apesar da aceitabilidade do lanço, o licitante venha a ser declarado inabilitado. Nesse caso, o pregoeiro chamará o segundo colocado, e assim sucessivamente, até que encontre um lanço aceitável e cujo competidor esteja habilitado. Somente neste instante é que será proclamada a classificação definitiva e adjudicado o objeto do certame.
Sobre a adjudicação, proferimos comentários acerca de sua natureza jurídica em artigo de nossa autoria35, para o qual remetemos o leitor.
O assunto é disciplinado pelo art. 9º36 do Decreto nº 3.697/00 e não apresenta maiores dificuldades, razão por que dispensa comentários mais detalhados.
Nesse ponto, concluímos o nosso estudo sobre o pregão. Na próxima edição, falaremos sobre outra modalidade licitatória: o concurso. Até lá!
NOTAS
1 Lei nº 10.520, de 17.7.02, DOU de 18.7.02.
2 Decreto nº 3.697, de 21.12.00, DOU de 22.12.00.
3 Decreto nº 3.587, de 5.9.00, DOU de 6.9.00.
4 Justen Filho, Marçal. In Pregão (Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico, 2. ed., revista e atualizada de acordo com a Lei nº 10.520/2002, S. Paulo, Dialética, 2003, p. 223).
5 _______________. Ob. cit., p. 223.
6 _______________. Ob. cit., p. 235 e 236.
7 Ferreira Neto, Francisco Damasceno. In Breves Comentários sobre o Pregão Presencial, L&C – Revista de Direito e Administração Pública nº 64, Consulex, Brasília, publicada em outubro de 2003, p. 35 e 36.
8 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 236.
9 _______________. Ob. cit., p. 235.
10 _______________. Ob. cit., p. 228 e 229.
11 O art. 4º, caput, do Decreto nº 3.555/00 guarda a seguinte redação: “A licitação na modalidade de pregão é juridicamente condicionada aos princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, bem assim aos princípios correlatos da celeridade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, competitividade, justo preço, seletividade e comparação objetiva das propostas”.
12 Por seu turno, o art. 9º do Decreto nº 3.555/00, encontra-se assim vazado: “As atribuições do pregoeiro incluem: I – o credenciamento dos interessados; II – o recebimento dos envelopes das propostas de preços e da documentação de habilitação; III – a abertura dos envelopes das propostas de preço, o seu exame e a classificação dos proponentes; IV – a condução dos procedimentos relativos aos lances e à escolha da proposta ou do lance de menor preço; V – a adjudicação da proposta de menor preço; VI – a elaboração de ata; VII – a condução dos trabalhos da equipe de apoio; VIII – o recebimento, o exame e a decisão sobre recursos; e, IX – o encaminhamento do processo devidamente instruído, após a adjudicação, à autoridade superior, visando a homologação e a contratação”.
13 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 228.
14 _______________. Ob. cit., p. 229 e 230.
15 Eis a redação dos dispositivos do Decreto nº 3.555/00, cuja aplicação foi expressamente excluída pelo art. 7º, caput, do Decreto nº 3.697/00: “Art. 11. A fase externa do pregão começará com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras: IV – no dia, hora e local designados no edital, será realizada sessão pública para recebimento das propostas e da documentação de habilitação, devendo o interessado ou seu representante legal proceder ao respectivo credenciamento, comprovando, se for o caso, possuir os necessários poderes para formulação de propostas e para a prática de todos os demais atos inerentes ao certame; V – aberta a sessão, os interessados ou seus representantes legais entregarão ao pregoeiro, em envelopes separados, a proposta de preços e a documentação de habilitação; VI – o pregoeiro procederá à abertura dos envelopes contendo as propostas de preços e classificará o autor da proposta de menor preço e aqueles que tenham apresentado propostas em valores sucessivos e superiores em até dez por cento, relativamente à de menor preço; VII – quando não forem verificadas, no mínimo, três propostas escritas de preços nas condições definidas no inciso anterior, o pregoeiro classificará as melhores propostas subseqüentes, até o máximo de três, para que seus autores participem dos lances verbais, quaisquer que sejam os preços oferecidos nas propostas escritas; VIII – em seguida, será dado início à etapa de apresentação de lances (sic) verbais pelos proponentes, que deverão ser formulados de forma sucessiva, em valores distintos e decrescentes; IX – o pregoeiro convidará individualmente os licitantes classificados de forma seqüencial, a apresentar lances (sic) verbais, a partir do autor da proposta classificada de maior preço e os demais, em ordem decrescente de valor; X – a desistência em apresentar lance (sic) verbal, quando convocado pelo pregoeiro, implicará a exclusão do licitante da etapa de lances (sic) verbais e na manutenção do último preço apresentado pelo licitante, para efeito de ordenação das propostas; XI – caso não se realizem lances (sic) verbais, será verificada a conformidade entre a proposta escrita de menor preço e o valor estimado para a contratação; XII – declarada encerrada a etapa competitiva e ordenadas as propostas, o pregoeiro examinará a aceitabilidade da primeira classificada quanto ao objeto e valor, decidindo motivadamente a respeito; XIII – sendo aceitável a proposta de menor preço, será aberto o envelope contendo a documentação de habilitação do licitante que a tiver formulado, para a confirmação de suas condições habilitatórias, com base no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf, ou nos dados cadastrais da Administração, assegurado ao já cadastrado o direito de apresentar a documentação atualizada e regularizada na própria sessão; XIV – constatado o atendimento das exigências fixadas no edital, o licitante será declarado vencedor, sendo-lhe adjudicado o objeto do certame; XV – se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender as exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará a oferta subseqüente, verificando a sua aceitabilidade e procedendo à habilitação do proponente, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma proposta que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor e a ele adjudicado o objeto do certame; XVI – nas situações previstas nos incisos XI, XII e XV, o pregoeiro poderá negociar diretamente com o proponente para que seja obtido preço melhor; XVII – a manifestação da intenção de interpor recurso será feita no final da sessão, com registro em ata da síntese das suas razões, podendo os interessados juntar memoriais no prazo de três dias úteis;”
16 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 232.
17 Meirelles, Hely Lopes. In Direito Administrativo Brasileiro, 24. ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, S. Paulo, Malheiros, 1999, p. 162.
18 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. In Direito Administrativo, 14. ed., S. Paulo, Atlas, 2002, p. 222.
19 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 237 e 238.
20 ______________. Ob. cit., p. 238.
21 Ferreira Neto, Francisco Damasceno. In Breves Comentários sobre o Pregão Presencial, L&C – Revista de Direito e Administração Pública, Consulex, Brasília, p. 34.
22 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 243.
23 Os incisos XIII e XIV do art. 7º do Decreto nº 3.697/00, têm a seguinte redação: “XIII – a etapa de lances (sic) da sessão pública, prevista em edital, será encerrada mediante aviso iminente de fechamento dos lances (sic), emitido pelo sistema eletrônico aos licitantes, após o que transcorrerá período de tempo de até trinta minutos, aleatoriamente determinado também pelo sistema eletrônico, findo o qual será automaticamente encerrada a recepção de lances (sic); XIV – alternativamente ao disposto no inciso anterior, poderá ser previsto em edital o encerramento da sessão pública por decisão do pregoeiro, mediante encaminhamento de aviso de fechamento iminente dos lances (sic) e subseqüente transcurso do prazo de trinta minutos, findo o qual será encerrada a recepção de lances”.
24 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 243.
25 Eis a redação do inciso XV do Decreto nº 3.697/00: “XV – no caso da adoção do rito previsto no inciso anterior, o pregoeiro poderá encaminhar, pelo sistema eletrônico, contraproposta diretamente ao licitante que tenha apresentado o lance de menor valor, para que seja obtido preço melhor, bem assim decidir sobre sua aceitação”. Ora, o inciso anterior, ou seja, o inciso XIV, é o que disciplina a hipótese relativa ao aviso de encerramento do pregão eletrônico efetuado pelo pregoeiro. O silêncio do inciso XV sobre a possibilidade de ocorrência de tal negociação quando o aviso de encerramento da licitação for efetivado pelo sistema eletrônico só pode ser interpretado como vedação dirigida ao pregoeiro, no sentido de lhe proibir negociação com o licitante vencedor, nessa situação.
26 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 244.
27 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 231.
28 __________. Ob. cit., p. 245 e 246.
29 __________. Ob. cit., p. 223.
30 __________. Ob. cit., p. 246.
31 Lei nº 9.800, de 26.5.99, DOU de 27.5.99.
32 Justen Filho, Marçal. Ob. cit., p. 248.
33 Ferreira Neto, Francisco Damasceno. In Breves Comentários sobre o Pregão Presencial, in L&C – Revista de Direito e Administração Pública nº 64, Consulex, Brasília, outubro de 2003, p. 34.
34 O inciso XIX do art. 7º do Decreto nº 3.697/00 é do seguinte teor: “os procedimentos para interposição de recurso, compreendida a manifestação prévia do licitante, durante a sessão pública, os encaminhamentos de memorial e de eventuais contra-razões pelos demais licitantes, serão realizados exclusivamente no âmbito do sistema eletrônico, em formulários próprios”.
35 Ferreira Neto, Francisco Damasceno. In Breves Comentários sobre o Pregão Presencial, L&C – Revista de Direito e Administração Pública, nº 64, Consulex, publicada em outubro de 2003, p. 34.
36 Eis a redação do art. 9º do Decreto nº 3.697/00: “Constatado o atendimento das exigências fixadas no edital, o licitante será declarado vencedor, sendo-lhe adjudicado o objeto do certame”.
Artigo publicado na Revista de Direito e Administração Pública – L&C, nº 65, novembro de 2003, páginas 32 a 43.